sempre usei a língua para fazer crueldades
mesmo no amor
mesmo no trato com as crianças
a língua é uma espécie de órgão
atrelado e despregado do corpo
como uma estúpida metáfora de ponte
(veja, aqui está um abismo e eu te empresto a tábua
não vá quebrá-la, embora esteja desgastada)
que oferece falsas promessas de contato,
de idioma comum, de idioma materno
de ternura
a língua só produz faísca
e a saliva é o próprio veneno das víboras
cada vez que se acerta uma vírgula
um sem-língua é por si apunhalado
quanto mais fina e mais apurada
quanto mais precisa e mais aguda
quanto a ela mais floreia ou cimenta
mais cínica ela fica
quanto mais desejo a língua
mais dela tenho repulsa
*
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