sábado, 1 de janeiro de 2022

passagem

detesto a virada de ano
e toda e qualquer submissão ao calendário
detesto aniversários, datas comemorativas
dias de santo
detesto a matemática dos dias
e seu manto de planos, desejos, pedidos

detesto pensar: hoje, amanhã, dia 8
e marcar passagens de avião
detesto esse contínuo começo
que se renova repetindo, fingindo novidade
corda sem começo e sem fim

detesto saber que rodamos sobre nós mesmos
porque nosso planeta assim opera
e não há nada que se possa fazer

detesto o poder dos instrumentos
e saber que se não fossem os espelhos
somente a mão conheceria o rosto

e que não decidimos a vida e nem a morte
querendo estar vivo ou tentando morrer

detesto que as coisas estejam ordenadas
na mais estúpida das tradições
na corrida dos artefatos na história,
sem anjos, sem seres celestiais
mas burocratas e seus relógios de ouro,
pastas de couro e planos de telefonia móvel

detesto a virada do ano
e sua escancarada natureza ficcional
não porque vislumbre um mundo factual
mas pela tenra solidez desse pacto


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