segunda-feira, 15 de novembro de 2021

quadro um

no chão encharcado
os pares de sapatos repousam
respigam
a água que atravessou a calha,
o forro, o lustre
e caiu como as cascatas de paterson

a água densa, bolhuda, parada
em sapatos parados, carregando
as larvas da dengue

um quadro de um filme que termina de um jeito
triste
ou a cena que abre um curta-metragem exibido às sete
no sesc da avenida rio branco

mas no dia da chuva e no dia do encontro
a casa fechada, os sapatos fora de lugar
alguém que chega de longe
que está fora há muito tempo
de volta a uma terra sem sol
a uma cidade que há meses é só chuva
de volta ao mofo e a precaridade de uma casa
de volta ao tempo que não passa
e o espaço que a ninguém interessa

quem se põe diante do quadro
a câmera não mostra
ela só vê quina, água, gota, cadarço,
couro, nó
e tudo que ficou pra trás, ainda fica
e tudo que o olho não olha,
permanece em mistério



 


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